Edgar Morin e a transdisciplinaridade

Lições do filósofo francês que podem transformar nossa maneira de compreender o papel da educação

O filósofo francês Edgar Morin ganhou corações e mentes ao longo de seus muitos anos de vida, mais de 40 livros, e centenas de publicações sobre temas e áreas dos mais díspares.

Além da filosofia, o pensador deixa sua marca em disciplinas que vão de mídia a antropologia visual; de sociologia a política; de teoria dos sistemas a ecologia e educação. Mais recentemente também embrenhou pelas ciências naturais, especialmente a biologia.

No Brasil, Morin se destaca por suas ideias sobre educação. Sendo ele próprio tão eclético, não surpreende que uma de suas principais contribuições nessa área seja seu conceito de trandisciplinaridade, algo que vai além da nossa concepção convencional sobre ensino interdisciplinar.

Ao invés de pensar em temas e conteúdos que envolvam duas disciplinas, algo cuja implementação efetiva ainda hoje enfrenta problemas, Morin fala de algo bem mais holístico ou, como ele sugere, complexo.

Em entrevista a O Globo, alguns anos atrás, ele explicou: “As disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas do mundo. A transdisciplinaridade, na minha opinião, é o que possibilita, através das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais complexa.

As disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas do mundo

Ainda naquela entrevista, questionado sobre como ele vê o sistema de ensino brasileiro, Morin respondeu: “O Brasil é um país extremamente aberto a minhas ideias pedagógicas. Mas, a revolução do seu sistema educacional vai passar pela reforma na formação dos seus educadores. É preciso educar os educadores. Os professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos de conhecimento. E essa evolução ainda não aconteceu. O professor possui uma missão social, e tanto a opinião pública como o cidadão precisam ter a consciência dessa missão”

Foto de Paolo Sacchi

É preciso educar os educadores. Os professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos de conhecimento.

Como notado por Alfonso Montuori, a pesquisa de Morin é diferente em muitos sentidos porque é conduzida pelo tópico, e se move cruzando disciplinas em busca de todo conhecimento pertinente para “iluminar” tal tópico.

A visão trandisciplinar de Morin não foca em tentativas de criar um enquadramento teórico abstrato e totalizante. Não há o interesse em avançar a agenda de uma determinada disciplina.

O que é central em sua visão, embasada por sua teoria da complexidade do pensamento, é a necessidade de encontrar conhecimento relevante em nossa busca humana para compreender e fazer sentido das experiência vividas. Para Morin, nossas experiências de vida não podem ser reduzidas ao ponto de vista de uma só disciplina.

Em entrevista ao programa Milênio, Morin resume: “O objetivo do ensino deve ser ensinar a viver. Viver não é só se adaptar ao mundo moderno. Viver quer dizer como, efetivamente, não somente tratar as grandes questões de que falamos, mas como viver na nossa civilização, como viver na sociedade de consumo”.

O objetivo do ensino deve ser ensinar a viver. Viver não é só se adaptar ao mundo moderno

Quando começamos a ler algumas das propostas e ideias de Morin, dá uma certa sensação de que é tudo amplo demais para caber dentro das necessidades imediatas do nosso planejamento pedagógico, dos planos de aula nossos de cada dia. O fato é que não recebemos treinamento adequado para pensar o ensino como grande fio condutor de conhecimento, um fio que pode enveredar por assuntos sobre os quais nunca aprendemos em profundidade.

O próprio Morin sabe disso. Assim como entende que a divisão do ensino em partes visa tornar mais fácil a explicação de temas complexos. Mas ele chama a nossa atenção para as limitações que isso acaba impondo. Na Medicina, por exemplo, dividimos o corpo humano em partes e as escolas de medicina passaram a treinar especialistas em partes cada vez mais específicas do nosso organismo.

Essa decisão pode ter levado estudiosos a compreenderem muito bem as especificidades de cada parte, no entanto também fez com que eles perdessem a noção do todo. “Nós aprendemos a analisar, a separar, mas não aprendemos a relacionar, a fazer com que as coisas se comuniquem. Ou seja, o tecido comum que une os diferentes aspectos dos conhecimentos em cada disciplina se torna completamente invisível”, lembrou Morin em video conferência para a Universidade São Marcos, em São Paulo, em 2005.

[A]prendemos a analisar, a separar, mas não aprendemos a […] fazer com que as coisas se comuniquem

Para de fato colocar em prática uma visão transdisciplinar, certamente teríamos que alterar a maneira como formamos professores hoje. A experiência demonstra que nenhuma transformação na educação acontece sem que transformemos também os educadores. E como será que isso pode se dar?

Veja algumas ideias de aplicação interdisciplinar e mais sobre Morin na Newsletter 23 da Claraboia: Até onde vai o seu muro?

Você pode pensar que um questionamento tão profundo, num momento de polarização extrema e de ainda mais limitações impostas ao conteúdo escolar e à atuação do professor em sala de aula, seja pura miragem. Só que contra a banalização do saber e o demérito da educação, o antídoto talvez seja justamente aprofundar as discussões com os colegas, com coordenadores pedagógicos e, por que não, incluindo os alunos.

Entre as muitas falas de Morin a nos inspirar, vale lembrar especialmente uma explicação que ele gosta de dar, sempre que possível. A vida, ele diz, se divide em prosa e poesia. A prosa é tudo o que é obrigatório, coisas que temos de fazer no dia a dia mas que não gostamos de fazer. A poesia é o que nos preenche, o que recebemos da comunidade, o amor, a amizade, a brincadeira. É a poesia da vida, segundo ele, que nos mantém vivos, enquanto a prosa nos faz sobreviver. Um dos papeis da educação, reforça Morin, é ensinar às pessoas sobre a possibilidade de desenvolver a capacidade de viver a vida poeticamente.

Fontes e sugestões para explorar o tema:

Fronteiras do Pensamento (entrevistas)

Complex Thought An Overview of Edgar Morin’s Intellectual Journey, Alfonso Montuori.

Biblioteca Edgar Morin (Escola de Redes)

6 comentários em “Edgar Morin e a transdisciplinaridade

  1. ABNER NATALIN GARÇON 31 de março de 2021 — 11:04

    Foi um homem muito importante na educação.

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    1. Ainda é, Abner! E este ano celebra 100 anos de vida!

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      1. Sou completamente fã de Edgar Morin. Estava pesquisando sobre transdisciplinaridade e cheguei aqui no seu espaço. Estou encantada!!
        Parabéns!

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      2. Ele é mesmo apaixonante, Eliane! Especialmente para quem gosta de pensar a educação de forma profunda!

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      3. Obrigada por compartilhar.

        Curtido por 1 pessoa

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