Admito que até recentemente desconhecia o que havia por trás dessa sigla, PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Se você não sabe o que é, o post pode esclarecer. Se você já sabe, vale a pena conferir o que nossos entrevistados contam sobre o programa, implementado há 10 anos.
Fiz um post-chamada numa página de Facebook ligada ao PIBID, na tentativa de encontrar entrevistados ou potenciais convidados para escrever sobre o tema aqui no blog. O retorno foi enorme, sobretudo de estudantes universitários que participam ou participaram do projeto.
O que me surpreendeu, além do número de comentários positivos sobre a participação de cada um, foi a variedade de lugares de onde vieram as respostas: gente do interior do Paraná ao interior de Alagoas, passando por Mato Grosso e vários outros estados. Tive uma visão melhor não somente da abrangência do PIBID mas de como hoje temos universidades públicas espalhadas pelo país e, aparentemente, com estudantes interessados na prática docente.
Outra boa surpresa é saber que até este momento há projetos em praticamente todas as disciplinas. De Matemática a Educação Física, de Ciências a História e Geografia, de Português e Inglês a Química, de Filosofia a Artes.

O que é o Pibid
Para quem não sabe, o Pibid foi criado por meio de Portaria Normativa pelo Ministério da Educação, em 2007, quando Fernando Haddad estava à frente da pasta. Foi implantado em 2008 e nos anos seguintes foi se consolidando. Em 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto incorporando o Pibid como parte fundamental das políticas públicas de educação e estabelecendo regras de como deveria funcionar.
Em 2013, a presidenta Dilma Roussef assina lei que torna o Pibid parte integrante das diretrizes e bases da educação nacional. Apesar disso tudo, em sua segunda gestão o discurso passou a sinalizar na direção contrária, ou seja, de maiores restrições ao programa.
Essa tendência se mantém durante o atual governo e inclusive houve a ameaça de que o programa fosse totalmente desativado. Sobre todas essas questões leia artigo O fim e a finalidade do Pibid! do professor de Antropologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco, Delcides Marques.
Felizmente, o programa vai ser prorrogado pelo menos até o próximo ano e o MEC promete sua continuidade, embora a incerteza prevalesça, especialmente porque o Congresso Nacional Brasileiro, como se sabe, aprovou emenda que congela investimentos em Saúde e Educação por 20 anos.

Para que serve
Segundo o próprio site do MEC, o Pibid é o programa que “oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se dediquem ao estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam com o exercício do magistério na rede pública. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros mestres e as salas de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o Pibid faz uma articulação entre a educação superior (por meio das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais e municipais”.
Em outras palavras, para que um projeto se desenvolva deve-se contar com um docente na universidade, que supervisiona as intervenções, um estudante de graduação que vai até a escola e um docente na escola pública, que abre suas classes e se envolve ativamente com o projeto.

Aparentemente, todos os envolvidos nessa tríade se beneficiam e não somente porque recebem bolsas. O universitários têm a oportunidade de conferir na prática a teoria que aprendem na licenciatura; os professores nas escolas não só oferecem uma visão mais realista da dinâmica e dos desafios da sala de aula a seus futuros colegas, como recebem inspiração, a energia e as ideias fresquinhas que eles trazem com seus projetos.
Já os professores universitários que supervisionam a experiência de seus alunos nas escolas públicas podem compreender melhor as necessidades que os estudantes de licenciatura terão de enfrentar como profissionais nas escolas públicas e isso pode resultar em cursos de licenciatura mais atualizados e mais efetivos aos estudantes das licenciaturas.


Em texto compartilhado com a Claraboia, Dr. Marcelo Medeiros da Silva, professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual da Paraíba, em Monteiro, explica melhor a importância desta participação: “Inserindo os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública, o programa objetiva promover a integração entre educação superior e educação básica e, ao mesmo tempo, proporcionar aos futuros professores a participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar na busca pela superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem na educação básica.”
Para o professor Marcelo, ele próprio coordenador de um projeto do Pibid em sua área, pode-se dizer que “o PIBID incrementou as licenciaturas e fez com que elas passassem a ser um pouco mais valorizadas. Acreditamos que ele foi o primeiro grande programa governamental a investir recursos diretamente na graduação, contribuindo para a formação dos futuros professores. Em um país que tem uma larga história de investimentos e de valorização da iniciação científica, com o PIBID, chegou a hora e a vez da valorização da iniciação à docência.”

Um pouco da história
Uma das pioneiras do programa, a professora do Departamento de Química da UFRGS, Dra. Irene T. Santos Garcia, à época na UFPEL (Universidade Federal de Pelotas) participou do primeiro edital do PIBID. Ela lembra que a ideia inicial do programa era atrair estudantes para as licenciaturas de exatas, uma vez que ainda hoje as escolas sofrem com a carência de professores de química, física, biologia e matemática. O programa só se estendeu às outras áreas a partir do segundo edital.
Não é de surpreender que os baixos salários dos professores e o pouco prestígio profissional acabem afastando jovens das carreiras docentes. Mas além disso, como disse o professor Marcelo, já havia bolsas de iniciação científica para os bacharelados, enquanto os estudantes de licenciatura ficavam à margem desse investimento.
Para a professora Irene, no entanto, além do investimento na formação de professores, outro diferencial do PIBID é que não se trata de um programa de simples monitoria: “É de fato uma interface entre teoria e prática e um espaço de estudo. A interação entre professores universitários, licenciandos, professores da escola e comunidade escolar é outro ponto forte do Programa”, reforça.
No passado, explica a professora, os estudantes no último ano de licenciatura simplesmente visitavam uma escola e acompanhavam algumas aulas em sua área. A partir da implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais [1], a formação dos professores passou a ocorrer desde seu ingresso na Universidade e com o PIBID, o bolsista tem de ser parte atuante de todas as discussões do projeto desde o início
Quando um projeto é aprovado, é hora de colocá-lo em prática. Isso significa que o aluno-bolsista tem de estudar o conteúdo que vai ensinar e aprender a melhor forma de apresentar este conteúdo, dentro do contexto de uma escola e uma sala de aula real. “Perceberam que podiam criar atividades simples com muito conteúdo embutido”, continua. Nesse sentido, uma das melhores lembranças da professora durante seu período como coordenadora de projetos do PIBID vem de uma aula em que seus orientandos ensinaram química, por meio de uma oficina de velas aromáticas, ministrada para os alunos do Ensino de Jovens e Adultos, em Pelotas.
“Foi observado que no contexto daquela escola os alunos tinham uma vida difícil, trabalhavam durante todo o dia e estudavam à noite. Chegavam quase sempre cansados, desmotivados. A oficina com as velas ensinava princípios importantes da Química, mas fazia isso de forma lúdica e relaxante. A experiência foi fantástica para todos os envolvidos”, relembra a professora.
O programa, como exercício pedagógico foi muito importante também para os professores universitários. Conta Irene: “Vivíamos num mundo à parte do ensino nos níveis fundamental e médio. Com o PIBID tivemos de aprender sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais, porque nossos projetos da UFPEL tinham de tomá-los como base”.
Problemas e desafios
Entre as poucas críticas negativas que se pode encontrar online ao PIBID, algumas pessoas alegam que muitos dos estudantes-bolsistas estavam interessados apenas na ajuda de custo que recebem, mas que a maioria não tem nenhuma intenção de se dedicar de fato ao ensino.
Perguntada sobre isso, Irene concorda que é preciso mais fiscalização para que as bolsas beneficiem somente aqueles que cumpram com suas responsabilidades e façam o melhor uso da oportunidade,em todos os níveis de participação, sejam alunos, professores nas escolas públicas ou docentes na universidade.
Ela aponta ainda outro problema: “Muitas vezes, os alunos universitários chegavam numa escola sem respeitar o papel da professora que já estava lá. É importante deixar essa arrogância de lado e lembrar que cada um está fazendo uma parte importante dentro do projeto e que os que vêm da universidade devem respeitar a rotina da escola”, explica.
Há de se lembrar que alguns professores bolsistas do PIBID também enfrentam em suas escolas uma certa má vontade por parte dos colegas não-participantes, que podem se sentir preteridos e, portanto, nem sempre inclinados a colaborar.
Ainda sobre o PIBID, a professora entende que, apesar de ser um Programa extremamente importante para permitir uma boa formação de professores, outras ações governamentais são necessárias. “Hoje o aluno que se forma professor de Ensino Médio e Fundamental tem que enfrentar uma realidade de baixíssimos salários e desrespeito por parte da sociedade e dos sucessivos governos. Essa é uma situação que precisa mudar”, conclui.
Diálogos: escola e universidade
Apesar desses problemas, para muitos professores nas escolas públicas, a experiência de participar do PIBID também foi um divisor de águas, como prova o belo depoimento de Bárbara Maria Canuto, professora de ciências do 8o. ano em uma escola municipal de Taquarana, no interior de Alagoas.

“Foi muito importante para a escola e para mim”, conta Bárbara. “Depois de quase 15 anos em escolas públicas, comecei a ficar desmotivada frente às novas metodologias de ensino. Quando recebi esses jovens pibidianos, tudo mudou. Houve uma inovação, acompanhei o pique deles”, ela explica entusiasmada.
E como ela própria atesta, o impacto do projeto foi duradouro. “Participei de formações, voltei à universidade e estou me candidatando a um mestrado, coisa que não tinha cogitado antes”.
Bárbara garante que os estudantes-bolsistas promoveram intervenções maravilhosas em sua escola: “Meus alunos ficavam ansiosos para saberem qual seria a próxima aula, o próximo jogo, a próxima dinâmica…”. Ela admite que sente muita falta do tempo em que participou do projeto.
A universidade volta à escola
O entusiamo dos estudantes de licenciatura, ou os pibidianos, como se denominam, não parece menor. Conheça um pouco da experiência dos que falaram à Claraboia.

Jefferson Augusto é estudante do 3o. ano de Letras Português-Inglês da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Foi bolsista do PIBID durante o ano letivo de 2017 numa escola estadual de Santo Antônio da Platina, no Paraná,
Atuei em aulas de inglês, sobretudo utilizando o aplicativo de quiz Kahoot para avaliação de vocabulário em inglês, que despertava muito a atenção e a competitividade instintiva dos alunos. A atividade era super prazerosa e benéfica. Minha professora supervisora acabou se tornando uma grande amiga, sempre nos apoiava com as aulas mostradas pelo projeto e se comunicava bem junto à escola.
Um fato que me encantou foi a oportunidade de conhecimento que o PIBID nos dá dentro da escola. Digo isso porque já tinha ministrado aulas anteriormente, no entanto, tinha pouco conhecimento do funcionamento prático das aulas e da estrutura física que a escola oferece para aulas mais voltadas ao lúdico. Às vezes íamos ao laboratório de línguas que a escola tinha e nos defrontávamos com algum empecilho, a falta de conexão à internet ou as crianças não tinham levado o celular. Mas a gente sempre tinha uma “carta na manga”, dava a volta por cima e conseguia aplicar o que era proposto. Saber que há imprevistos dentro da escola para execução de uma aula foi certamente um ponto importante da minha participaçãoo no PIBID, porque me alertou e preparou. Hoje tenho uma visão mais ampla e apta sobre a escola e sobre as aulas.
Jefferson planeja candidatar-se novamente para o projeto, que tem previsão de reiniciar em agosto.
Amanda Gonzaga é recém-formada em História, com licenciatura plena, pela Universidade Estadual do Paraná e participou do PIBID de 2014 a 2017 atuando em escolas estaduais de Paranavaí, PR.
O tema proposto pelo curso de História me chamou muito a atenção, por ser tratar de algo pertinente na atualidade: Africanidade. Conhecer as nossas raízes proporcionou discussões sobre desigualdades sociais, racismo na escola e religiões de matrizes africanas.
Em um primeiro momento houve resistências, deboches de alguns alunos, mas com o desenrolar da temática conseguimos fazer com que eles compreendessem uma ponte entre o passado e o presente em relação às desigualdades sociais e como isso aconteceu ao longo do contexto histórico. Fizemos vários trabalhos práticos, confecção de máscaras africanas, mapas do continente africano.
Essa aproximação entre o Continente Africano e o nosso país fez com que esses alunos observassem a questão da sociedade de forma diferente, e que lutar por igualdade e respeito às diferenças é fundamental. Muitos dos alunos que participaram do projeto hoje estão presentes na faculdade.
Amanda diz que ter participado do PIBID foi muito importante na sua graduação e que sente muito orgulho dos projetos que realizou.
Francisco Sousa Lira participou do PIBID de Geografia, desde 2014 até este ano. Ele cursa atualmente o 10o. semestre de Geografia, na Universidade Federal do Mato Grosso, em Barra do Garças, MT e participou do projeto numa escola estadual da mesma cidade.
Nosso Pibid de Geografia foi muito atuante. Minha atividade favorita foi um jardim ecológico que fizemos dentro da escola e uma fonte que continha um pequeno aquário. Foi marcante pra mim ver o empenho dos alunos para a construção de tudo isso, que ficou muito bonito.
Para Francisco, as atividades fora do espaço da sala de aula foram fundamentais para tornar as aulas mais dinâmicas.

Medéia Reis fez parte do subprojeto Filosofia da Unioeste, campus Toledo, PR, de 2014 até fevereiro deste ano.
O programa me fez crescer muito como acadêmica e me fará uma profissional melhor. Foram momentos e trabalhos inesquecíveis com os estudantes, cada olhar que nos era direcionado, com vontade de aprender. Fizemos, por exemplo, uma oficina com o 3o. ano do Ensino Médio com o tema Kant apresenta além do Espelho. A proposta era desconstruir os padrões atuais de beleza para explorarmos o conceito de belo em Emmanuel Kant. A oficina superou todas as nossas expectativas. Os alunos participaram e compreenderam perfeitamente o conceito de Kant. Foram quase quatro horas e não somente não se cansaram, como queriam mais!É inexplicável a sensação que tive com minha participação no programa. A riqueza da experiência de participar ativamente da docência é gratificante, o PIBID me mostrou além do que eu acreditava ser essa linda profissão, me fez amar ainda mais o ofício. Todos os trabalhos que realizamos (quatro projetos de oficinas didáticas) foram criteriosamente avaliados e orientados por nossos coordenadores de área e nosso professor supervisor. A docência é mais que uma profissão, é a exteriorização do amor por ensinar.
Não sei quanto a vocês, mas depois de ter contato com essas pessoas: professores universitários, professores do ensino fundamental e médio, alunos de licenciatura, passei a entender toda a campanha intitulada #FicaPibid . E declaro que a partir de agora, eu e minha Claraboia passamos a ser fãs de carteirinha do programa e, principalmente, de todos os que buscam valorizar a docência no Brasil.
Falando em ficar, fiquem ligados nas novidades da Claraboia!