Essa semana resolvi investigar as imagens de professores produzidas pelo cinema e pela televisão. Confirmei o que temia. Muitos dos personagens professores nos vendem, com algumas variações, a mesma versão bonitinha, mas simplificada demais, de uma realidade bem mais complicada.
Às vezes, simplificamos uma narrativa porque temos pouco tempo: explicar ou se aprofundar em algo dá trabalho. Outras vezes, a gente faz e aceita isso porque a versão mais longa e complicada é também menos fantasiosa e, afinal, contamos e ouvimos histórias para fugir um pouco da realidade dura do dia a dia.
Mas é preciso ter consciência que ao escolher a versão maniqueísta, em que a gente elege um lado bom e um lado mau e uma única forma de fazer o bem e superar a maldade, podemos estar de fato reforçando estereótipos e até tornando as coisas mais difíceis pra muita gente, incluindo nós mesmos.

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie já chamava a atenção para isso em seu famoso TED talk de 2009. Em sua fala, The Dangers of a Single Story (Os Perigos de uma História Única) ela nos lembra que se abordarmos a mesma história de formas diferentes, sob perspectivas distintas, talvez chegaremos a conclusões diferentes também. Não deixe de ver o vídeo aqui, se você nunca teve a chance de ver, ou se gostaria de revê-lo.
Chimamanda nos faz perceber que as generalizações quase sempre nascem de narrativas simplistas, que se reproduzem sem questionamentos. Essas narrativas estão por toda parte: na mídia, na literatura, no chamado ‘senso comum’.
Nosso papel como educadores, penso eu, deve ser o de conduzir nossos estudantes a questionarem, a buscarem outras formas de abordarem situações que lhes foram incutidas como se fossem naturais e imutáveis. E para ensinarmos isso a eles temos de começar na prática.
Voltando aos professores do cinema…
Escolhi alguns e não tive dificuldade em identificar a tal história única da qual falava Chimamanda Adichie. No ano passado, inclusive, uma professora da Carolina do Norte, Anne Beatty, escreveu sobre isso na prestigiosa revista The Atlantic.
As histórias do cinema tendem a traçar uma caricatura unilteral dos alunos pobres e marginalizados e a sugerir que uma professora ou professor incrível vai chegar lá e mudar todo o cenário para essas pessoas. “Essas histórias simplifcadas distanciam professores de seus alunos”, diz Beatty, “pois reforçam o desequilíbrio de poder que se cria quando uma professora chega acreditando que já sabe quem seus estudantes são e que milagres ela vai poder operar sobre eles. As caricaturas — tão tentadoras e fáceis de criar à sombra dos scripts de professores-salvadores de Hollywood —acabam funcionando como uma barreira para uma interação mais significativa na sala de aula”, adverte.
Salas de aula onde professores e alunos trabalham ativamente contra narrativas e concepções equivocadas são lugares onde o verdadeiro aprendizado acontece
Anne Beatty
Inspiração e ação

É verdade que muitos desses personagens foram inspirados em pessoas reais. É verdade também que muitos de nós temos memórias de professores que admiramos e, no fundo, pessoalmente desejamos ter um impacto positivo na vida de nossos alunos.
Por outro lado, mesmo quando podemos fazer a diferença como indivíduos, é preciso não perder a perspectiva que muitos problemas na educação estão além da boa vontade de um bom profissional. A colaboração com nossos colegas, nossa participação na luta por educação de qualidade e como prioridade das políticas públicas é algo que vai além da ação individual. Reduzir todos os problemas de uma escola e de um sistema é enganoso e perigoso.
Acima, em Mentes Perigosas (1995) Michell Pfeiffer na pele da ex-oficial da Marinha Louann Johnson, que tenta ganhar a confiança de seus alunos, a maioria negra, usando métodos pouco convencionais: entre eles o karatê e canções de Bob Dylan. No filme Escritores da Liberdade (2007) , Erin Gruwel (Hillary Swank) enfrenta muitos problemas até conseguir que seus alunos do ensino médio, marginalizados, encontrem sua própria voz por meio da escrita.
Isso sem contar que assim como muitas histórias manjadas de alunos pobres e problemáticos botam todos no mesmo saco, as pessoas acabam acreditando que para ser de fato um educador transformador o professor tem de ser como as mocinhas e mocinhos do cinema.
Como Chimamanda Adichie tão bem pontua em sua fala, somos feitos de muitas histórias. Quando rotulamos nossos alunos como problemáticos, dentro de uma única visão, permitimos tambem ser rotulados e impedimos que outras histórias, alternativas e soluções floresçam.

Ainda como parte dessa questão, criei um questionário rapidinho Quem te inspira? e também estou convidando todo mundo a participar do podcast da Claraboia: ClaraPod, cujos primeiros episódios vão discutir: Qual é o Seu Estilo?
Participe e acompanhe a conversa.
Imagem em destaque: Creative Commons License. Fotos de filmes: Divulgação.