“Ame seu trabalho e você não vai ter de trabalhar um só dia da sua vida”. A máxima pode até ser bonitinha, mas não resiste a uma análise simples. Aliás, desconstruir frase feita pode ser uma ótima atividade para suas aulas. Já pensou nisso?
Esta semana li no Instagram uma professora dizendo que estava se preparando para o segundo semestre escolar com muita alegria e lançou a tal frase: “Ame o seu trabalho e você não vai ter de trabalhar um só dia da sua vida”. Desculpem o azedume, mas sempre achei essa ideia bem forçada e, mais, traz embutida uma premissa equivocada: a de que que trabalho é mau, portanto para gostar do que se faz a gente não pode considerar isso como trabalho.
Não é chatice, juro. Mas já notou que esse tipo de pensamento é ainda mais presente entre professores? Com isso a gente acaba reforçando a ideia perigosa de que ensinar tem de ser (unicamente) um ato de amor e não uma profissão.
Quem me conhece sabe que sou do tipo que defende o fazer com paixão. E acredito, sim, que nosso envolvimento com o trabalho pode e deve ser pessoal. Mesmo assim, no momento em que transformamos essa atividade em hobby estamos abrindo mão de reinvindicar direitos e remuneração justa para nosso trabalho, assim como deixamos de lado a necessidade de aperfeiçoamento profissional constante.
Concluindo: é válido escolher uma profissão que nos dê prazer e na qual desempenhamos nossas habilidades com talento e alegria. Só que isso não nos deve impedir de ter tempo para estar com a família, namorar, jogar conversa fora com os amigos, praticar esportes… É bom lembrar que tudo isso é importante para a nossa saúde física e mental e nosso bem-estar vai se refletir positivamente na qualidade do nosso trabalho.
Aproveitando a deixa…
E para provar que gosto do que faço, aproveito para usar o tema do post para sugerir uma atividade relevante que vamos chamar singelamente de Desconstruindo a frase feita.
A atividade é especialmente indicada para disciplinas de Língua Portuguesa, Línguas estrangeiras, Filosofia, História e até Arte. Mas se te ocorrer outra aplicação, conte pra gente!
A forma mais simples de colocar essa ideia em prática é reunir, com a ajuda dos alunos, um número X de ditados populares. Veja uma amostra como exemplo:
Deus ajuda quem cedo madruga
Não adianta chorar o leite derramado
Quem com ferro fere com ferro será ferido
Mais vale um pássaro na mão do que dois voando
Em casa de ferreiro o espeto é de pau.
Se bem orientada, garanto que a etapa de pesquisa por si só pode render boas discussões. Entendo que algumas das frases acima podem ser diferentes dependendo de cada região, mas não invalidam a atividade.
A mim me parece que a classe dividida em grupos pequenos tem mais oportunidade de produzir uma amostra mais rica e variada de frases. Na etapa seguinte, pode-se começar primeiro entendendo e discutindo o que cada uma pretende nos ensinar (qual é moral da história, a mensagem…); depois convidar a uma investigação um pouco mais profunda. Exemplo:
- Interpretação: ‘Mais vale um pássaro na mão do que dois voando’ sugere que é melhor se contentar com o que se tem do que correr o risco de perder algo seguro por algo que ainda é um plano.
- Interação com a ideia da frase: Você concorda com isso? O que você vê de negativo na frase? Por que se usa pássaro? Isso seria correto nos dias de hoje? Você acha que segurança é mais importante que o risco?
Idealmente, você deve conduzir a discussão a partir destas duas linhas acima mas deixando que os próprios alunos tirem conclusões e, com sorte, proponham outras questões.
Em língua estrangeira
Note que frases similares ou quase literais existem em outras línguas. Nesse caso, a atividade comparando as frases em Inglês, Espanhol ou outra língua com as que temos em Português pode resultar em um paralelo interessante e trabalhar cultura, além de vocabulário e prática oral e escrita.
Variações e contextos
Em aulas de História, vale a pena buscar a origem de determinados ditados populares. É possível saber de quando datam? De onde vieram? Por acaso têm referências em passagens bíblicas? Ou será que se ligam a outras religiões ou tradições? Lembre-se que alguns ditados foram trazidos por imigrantes de várias partes da Europa, outros se ligam a culturas nativas e alguns a nossa herança africana.
Em Artes, que tal uma versão da atividade na qual seja possível aos alunos ilustrarem algumas das frases ou criarem tirinhas a partir da mensagem de cada uma?
Para ir além das simples discussões de compreensão e interpretação e para extrapolar o questionamento das frases, é ótimo tentar produzir algo novo a partir da ideia inicial. Use, por exemplo, a coleta e desconstrução das frases como aquecimento para que cada grupo crie novas frases, baseadas em suas próprias ‘filosofias’e/ou experiências de vida. Esse passo da atividade envolveria escrita, argumentação e pode ser usado nas aulas de Filosofia aliado a algum filósofo que esteja sendo estudado.
Enfim, a criatividade pode levar esta atividade simples a vários desdobramentos. O que nos remete ao começo do texto. Para mim esse trabalho pode ser feito com muito prazer e com grande rigor profissional também!
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Tem um pouco de azedume, sim. Mas acho necessário, para sairmos deste ‘corretismo’ que estamos mergulhados.
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Sandro, explica melhor esse ‘corretismo’. Fiquei curiosa! 🙂
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Temos que dar o nosso melhor sempre, independente do cargo.
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Com certeza, mesmo assim, por melhor que trabalhemos e por mais amor que a gente tenha, a docência é uma profissão. Você concorda?
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Sim, concordo 100%! Estudamos, nos especializamos… não é qualquer um que pode ser professor. Temos preparo para isso.
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