Precisamos falar sobre conteúdo

De repente quando todo mundo parece concordar que é mais sobre como aprendemos e não sobre o quê aprendemos, lá vem alguém complicar tudo de novo…

Às vezes eu acho que essa conversa de educar para as necessidades do século XXI só vai acabar no século XXII! A impressão que se tem é que quando finalmente pensamos ter encontrado o caminho para fazer do aprendizado algo mutuamente construído e quando a abordagem ativa vai ficando cada vez mais rica e interessante, percebemos que outras questões e obstáculos vão surgindo.

E daí não adianta tentar ignorar esses complicadores por que essa complexidade toda é , na real, parte desse século e das demandas que, afinal, a gente busca atender. Ficou complicado? Vou tentar de novo. Seguinte: o próprio surgimento de outras possibilidades, novos problemas e questionamentos são em si mesmos característicos dos nossos tempos. Edgar Morin já advertiu sobre isso, mas tem muito mais gente atestando que flexibilidade, adaptabilidade e criatividade são habilidades que temos de manter ao alcance da mão (e da mente) o tempo todo. Se você quer que alguém aprenda essas habilidades, é bom começar a aplicá-las na sua prática.

Não tem como fingirmos que depois de encontrada uma solução é só seguir a receita. E para continuar com a analogia da receita (eu devo ser a única pessoa do mundo que não cozinha mas adora uma analogia que envolva comida!), pense num bolo delicioso. Muitas vezes você segue a receita direitinho e o bolo não fica bom. Outras você dá uma tresloucada, joga mais disso e menos daquilo e no final o bolo fica fantástico. Se alguém te perguntar como foi exatamente que isso aconteceu, vai ser difícil explicar. Mas provavelmente há alguns fatores que não funcionam do mesmo jeito pra todo mundo, mesmo que você siga a receita ao pé da letra.

As proporções dos ingredientes, o tipo do seu forno, como você misturou os secos e molhados ( a mão, a máquina, com colher especial…) e , não se pode esquecer, a qualidade dos ingredientes podem ter influenciado o resultado. Sem contar que chega uma hora em que você já está tão confortável com aquela receita que encarna a Bela Gil e sai por aí substituindo tudo, com a maior maestria.

Para mim, o aprendizado parece um pouco com isso, tanto na forma como ensinamos quanto na forma como aprendemos, principalmente quando pensamos na personalização. É evidente que o roteiro para cozinhar ou para ensinar-aprender tem importância, mas isso não significa que os ingredientes (conteúdo) em si e a interação entre eles não tenham um papel importante.

Fotos por Tima Miroshnichenko em Pexels.com
Conteúdo não é tudo igual

Falo de coração aberto que eu estava totalmente convencida que a maneira como o processo de aprendizado acontece pode guiar todo o resto em termos de engajamento, eficácia e significado. E obviamente não vou simplesmente deletar tudo isso que tenho aprendido . Até porque tudo continua fazendo sentido. O que muda é que comecei a perceber que mesmo os professores e facilitadores, que desenham as experiências de ensino mais bonitas e marcantes, precisam ter muita atenção ao conteúdo que vai ser usado para alcançar os objetivos de aprendizado.

Vamos a mais exemplos e dessa vez prometo deixar a culinária em paz e fazer uma autopropaganda de leve. Estou na maior empolgação escrevendo e desenhando um curso para professores sobre Machado de Assis (Descomplicando Machado). Talvez você não saiba mas adoro ler Machado de Assis e falar sobre ele. O curso quer chamar junto professores que amam o escritor, outros que o ignoram e aqueles que, como muitos alunos, o acham chato e difícil (confesso que aqui tive de pedir perdão aos céus só por escrever uma coisa dessas!).

Pois bem, se o meu objetivo é fazer com que os professores se apaixonem tanto por Machado de Assis a ponto de contagiarem seus estudantes com essa paixão, o curso vai ter de ser interessante, afetivo e efetivo. Mas eu também vou ter de trazer uma coleção de trabalhos do Machado que demonstre como ele pode ser apaixonante. Por exemplo, se eu chegar de sola trazendo A Mão e a Luva fica difícil vender o meu peixe (oops, nada a ver com comida, viu? Isso é só dito popular…). É preciso selecionar corretamente a obra e especialmente ajudar sugerindo/provocando várias leituras possíveis daquele trabalho. O momento de ‘aha‘ é uma das coisas mais emocionantes desse processo e ele só vai acontecer se os trabalhos corretos forem especialmente curados para a ocasião.

É importante frisar sempre e de novo que só conteúdo não resulta em aprendizado, mas tampouco um curso desenhado com as metodologias ativas mais envolventes vai dar conta de motivar e de fato ensinar se o conteúdo não estiver à altura.

E tem mais. Mesmo no ensino personalizado (falaremos mais de personalização aqui no blog), quando no papel de tutores simplesmente conduzimos os alunos em seus interesses e de acordo com seu nível de aptidão, é necessário, sim, que o conteúdo seja de alguma forma hierarquizado em termos de complexidade e de como dialoga com outros temas e de como certos temas podem ser agrupados em miniblocos.

Resumindo, até acredito na divisão de tópicos e já usei muito este recurso, mas em algum momento é preciso reconhecermos que diferentes conteúdos podem se alojar dentro dos mesmos tópicos. Além disso é preciso tomar para si a responsabilidade de avaliar a qualidade do conteúdo. Imagine um tópico de história cujas referências não sejam documentadas propriamente ou um conhecimento científico que não tenha base em evidências, devidamente reconhecidas e comprovadas. O interesse de pesquisa e de aprendizado deve sempre partir de seus alunos/estudantes. Por outro lado, não dá para se isentar de fazer avaliação de conteúdo.

E para terminar, vai uma última referência de cozinha. Nenhum bolo, por mais inspirada que você esteja, vai ficar bom e ser saudável se um dos ingredientes estiver vencido ou adulterado.Espero que você possa refletir sobre esse post , de preferência comendo um bolo gostoso! 😉

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