Superficialidade e incapacidade para articular e expressar ideias mais profundas são males dos brasileiros de várias idades. Mas será que nós, professores, podemos ajudar a formar cidadãos com mais densidade intelectual e aptidão para discussões relevantes?
Enquanto todos parecem medianamente preparados para funcionar num mundo conectado e atuar em diversas redes sociais, é cada vez mais nítida, literalmente, a ‘falta de assunto’ do brasileiro médio.
Eu não diria que este seja um fenômeno novo. Penso apenas que o problema ficou mais evidente porque agora interagimos virtualmente com um número maior de pessoas e por conta desta facilidade ficamos a par das opiniões de pessoas que, de outra maneira, talvez nunca soubéssemos.
Mas se você prestar um pouco de atenção vai notar que, na maioria dos casos, as opiniões são repetições, baseiam-se em frases de outras pessoas e quase nunca resultam de reflexão própria. Vem daí o enorme sucesso dos ‘memes‘, por exemplo.
Há uma experiência do passado, ainda nos anos 80, que sempre me vem à mente quando discuto este tema. Naquela época eu era uma adolescente que participava de comunidade de igreja católica.

Nosso grupo tentou algumas vezes sair do nosso círculo e realizar alguns projetos na rua. Decidimos, então, ir para a passarela de uma movimentada estação de metrô em São Paulo e perguntar: Qual é a sua razão para viver?
No nosso entusiasmo juvenil (e naquele tempo cristão), imaginávamaos que todos iriam ter respostas, se não religiosas, pelo menos espiritualizadas. Pois erramos feio. As pessoas engasgavam, se desculpavam e as que respondiam enumeravam projetos materiais: vivo para comprar uma casa, ter um carro, uma motocicleta…
Para não voltarmos de mãos abanando, decidimos radicalizar. Mudamos o tom da entrevista, criando uma situação fictícia: Imagine que baixou aqui um disco voador com uns alienigenas meio violentos. Daí, em vez de te destruir, te dão a oportunidade de sobreviver se você der a eles uma boa razão para continuar vivo. Voilá, pensamos, agora vai!
Acho que alguns captaram nosso ponto um pouco melhor. Mesmo assim, me lembro nitidamente de um moço simples, menos de 30 anos, que me olhou desanimado, admitindo que, provavelmente, seria exterminado pelos aliens malvados, simplesmente porque não conseguia articular uma boa razão para justificar sua existência!
Vocabulário basta?
Sim, todos sabemos que a educação é o melhor antídoto para nos capacitar para a vida. E não somente a vida profissional. Mas, então, porque nos deparamos com pessoas supostamente escolarizadas que fracassam quando tentam criar um argumento e defender uma ideia com coerência e com exemplos válidos e referências mínimas?
Entenda que não se trata de exigir eruditismo. Não estamos precisando de pessoas exibindo conhecimento ornamental (sobre isso, uma ótima ilustração é o conto de Machado de Assis, Teoria do Medalhão; se ainda não leu, leia!).As palavras mais bonitas são as que fazem sentido não as que ninguém compreende.
É verdade que quanto mais vocabulário, melhor para podermos ‘traduzir’ as complexidades do mundo, certo? Só que não adianta nada dormir no dicionário, feito o Visconde de Sabugosa (do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato) se não soubermos como colocar nossas novas palavras em frases coerentes, alinhadas com o objetivo de realmente transmitirmos nossas ideias.
Não vale a pena aprender sinônimos se não entendermos também os antônimos. E daí nem pense em decorar listinha, estamos falando da oposição de sentidos entre as palavras. Como disse Carl Jung, a palavra feliz perderia seu sentido se não fosse balanceada pela tristeza.
Desculpem se hoje pareço filosófica demais e nada prática. Fiquem ligados porque vem aí algumas sugestões de atividades para trabalhar esta questão em sala de aula. E se você já tem sua própria estratégia, conte pra gente.
Sem tempo para ler? Ouça este post aqui.
E lembre-se que o primeiro módulo do curso A Leitura das Imagens (em cinco atividades práticas) sai este mês!
Foto de abertura: Pexels/ CC0
Ah! Como é bom ler textos que se encaixam com nossa filosofia . Saber que há mais pessoas que se preocupam e amam a educação. Que não enxergam a educação como uma mercadoria.
Mais uma grande reflexão, Selma.
Parabéns!
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Que maravilha de retorno, Samyra! Muito grata! Seja bem-vinda aqui. E, por favor, sugira temas e volte sempre!
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