Num momento em que a violência contra negros no Brasil e no mundo está entre as mais importantes pautas de discussão, vale conhecer e se deixar inspirar por este projeto que teve impacto direto sobre a auto-estima de alunas e alunos afro-descendentes do Paraná.
Depois de um longo intervalo, a seção Sala de Aula está de volta. Aqui abrimos espaço para que professores de várias regiões do Brasil, disciplinas e níveis de experiência contem sobre uma aula que deu certo, um projeto interessante ou simplesmente um momento de sua rotina como docentes que merece ser compartilhado com colegas e educadores em geral.
Desta vez, o paranaense e professor de história, Edmilson Rodrigues da Silva, ou Magrão, como é mais conhecido, apresenta um projeto idealizado por ele e realizado em conjunto com as colegas Damarli Guarnieri, professora de matemática; Fabiele de Oliveira, pedagoga; e Josélia Ferreira Mendes, educadora e secretária da escola.
Embora nestes tempos de distanciamento social e aulas online seja difícil ser replicado, o projeto, realizado três anos atrás, deixou mais do que boas lembranças. Deixou sobretudo um impacto positivo entre os participantes e pode certamente inspirar suas aulas e discussões futuras.

O projeto teve lugar no Colégio Estadual Prefeito Carlos Massareto, em Apucarana, Paraná. “O Projeto Identidade Afro-Brasileira nasceu de um questionamento inicial simples: Onde está escrito de forma conclusiva qual é o padrão aceitável de beleza? A partir dessa pergunta, juntamente com os alunos e alunas, foi possível levantar outras mais. O que é belo? Pele clara ou pele escura? Cabelo liso ou crespo? Olhos castanhos ou azuis? Lábios grossos ou finos? Com a riqueza trazida pelos posicionamentos das alunas e alunos, pudemos chegar a outras considerações que foram os pilares deste trabalho”, diz o texto de apresentação do projeto.
A execução da proposta envolveu alunos do sexto ao nono anos do ensino fundamental e resultou em uma exposição de fotos que extrapolou os muros da escola. Leia o relato de Edmilson ‘Magrão’.

Identidade Afro-Brasileira, representação e pertencimento
É sabido e notório que a cultura brasileira, material e imaterial, não seria a mesma sem as relevantíssimas contribuições dos povos africanos trazidos, contra sua vontade, para o nosso país. Nosso idioma, tecnologia, danças, rituais, fé, música e ritmos têm influências de diversos povos, mas raramente vemos a alusão prática às contribuições africanas.
Nesse contexto, percebeu-se a importância da representação do negro e da negra nos espaços coletivos como insuficientes para atribuir-lhe a efetiva importância na construção do pertencimento étnico-racial, tão necessário à grande maioria das crianças atendidas em nosso colégio.


O projeto então vem carregado destes significados que remetem à ancestralidade afro-brasileira e também à desconstrução do padrão de beleza tão esmagadoramente racista em nosso Brasil, tão brasileiro. Nesse sentido, a exposição de fotos era um dos objetivos do projeto como forma de valorização e ressignificação dos padrões de beleza, tendo em vista a omissão e sub -representação em nossas midias dos padrões estéticos afro brasileiros. O objetivo didático pedagógico só foi alcançado com o cumprimento da exposição das imagens dos alunos.
Foram selecionadas 30 fotos para integrarem a exposição física do trabalho. As imagens foram impressas em tamanho pôster e expostas. Embora eu tenha fotografado a maioria (afinal, eles estariam em frente da câmera), selecionamos algumas feitas por alunos.
A disciplina de história, que ministro, tem uma ampla janela de oportunidades para trabalhar esses temas relacionados à negritude brasileira e à grande dívida que o país tem com essa população
Durante todo o processo, foi exigido muito trabalho em grupo, organização e disciplina dos participantes, principalmente no dia marcado para fazer as fotos em que foi necessário todo um trabalho de escolha de figurino e maquiagem, feito pelos próprios estudantes, com a ajuda de alguns professores.
Num primeiro momento, as fotos foram exibidas no pátio da escola por uma semana, para apreciação dos estudantes, educadores e demais membros da comunidade interna e externa da escola.

Após essa primeira etapa, as fotos puderam ser vistas em outros ambientes da cidade, em outras escolas da rede estadual e também no Núcleo Regional de Educação.
O trabalho com a temática afro nas escolas está inserido no contexto da lei 10.639, que fala sobre a obrigatoriedade dessas questões no currículo. A disciplina de história, que ministro, tem uma ampla janela de oportunidades para trabalhar esses temas relacionados à negritude brasileira e à grande dívida que o país tem com essa população.
Toda oportunidade que tivermos de apresentar uma outra realidade aos nossos alunos é importante. No nosso caso, isso se refletiu diretamente no comportamento e na estética deles.
Ainda durante o processo, algumas alunas passaram a ir para a escola de cabelo solto, natural. Para mim isso tem um valor imenso e penso que deveria ter para todas as pessoas que lutam por um mundo melhor, mais justo e igualitário.
Salve a beleza afro-brasileira!

Edmilson ‘Magrão’ é professor de história do Fundamental 2 do Colégio Estadual do Campo Aprendendo com a Terra – Assentamento Valmir Mota de Oliveira, Cascavel, Paraná.
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