a avaliação formativa acompanha o ensino-aprendizado enquanto ele acontece e pode torná-lo melhor.
De uns anos para cá, começamos a ouvir mais e mais sobre as avaliações diagnósticas, formativas e somativas. Em muitos casos, as pessoas confundem a primeira e a última: afinal, a prova do Enem é diagnóstica ou somativa? Se a ideia é testar todo o conhecimento que cada estudante atingiu antes da universidade, é justo dizer que seja somativa; por outro lado, as provas do Enem, como as dos vestibulares, funcionam como diagnósticos porque supostamente definem que candidatos estão ou não preparados para ingressar em determinado curso universitário.
Em nossa tradição de grandes provas, acabamos dando menor atenção a uma avaliação que acontece no dia a dia escolar e que no conjunto seria a chamada avaliação formativa. É comum que alunos cheguem às suas provas bimestrais ou finais incertos sobre o que realmente sabem e mais preocupados em memorizar tanto quanto possível para ‘gabaritarem’ nos testes, como se costuma dizer. É também usual que professores tenham dificuldade em priorizar o que realmente deve fazer parte deste tipo de teste.
Outro engano comum, no qual mesmo os docentes bem-intencionados embarcam, é a tal prova surpresa. Por anos, em cursos de língua de nível universitário, eu era estimulada a incluir um número delas ‘para ter uma visão realista do que os alunos realmente sabiam’, sem terem se preparado previamente. Isso até faz sentido no ensino-aprendizado de língua estrangeira se for tomada como mini diagnóstico, mas torna-se um pesadelo para estudantes inseridos em um sistema como o americano, cuja média geral de notas, quando baixa, pode arruinar uma “carreira estudantil”. Além disso, o pop quiz tem aquele jeitão de truque, uma pegadinha, como se os professores estivessem torcendo para flagrarem o aluno que não está entendendo nada…ou seja, acaba soando como punição. E isso é todo o contrário do que uma avaliação formativa deveria ser.
Então, o que de fato é avaliação formativa e por que se tornou
mais comentada recentemente?
A popularidade se deve ao fato que a educação como um todo tem mudado. Quem está conectado ao mundo da educação sabe que este é um tema corrente. É natural, portanto, que a avaliação se modifique quando a forma como aprendemos e ensinamos começa a mudar também. A partir do momento em que o aprendizado ativo implica em protagonismo dos estudantes, os velhos modelos de avaliação que negam esse princípio não podem continuar iguais. E se continuarem, certamente não cumprirão seu papel.

Um dos desafios é alinhar a forma de avaliação ao processo de aprendizado , na tentativa de avaliar cada parte dele. Porém, talvez o maior desafio seja transformar um modelo de avaliação dentro de um sistema que mantém as estruturas de ensino intocadas e rígidas.
Como disse alguns parágrafos atrás, uma avaliação formativa não pode ser uma disputa entre alunos e professores. Um dos princípios mais relevantes é que seja uma parceria entre eles: uma avaliação que ajude os alunos a aprenderem e os professores a ensinarem. Um bate-bola amistoso que não termina em empate, mas em vitória para ambos os lados.
E como fazer isso na prática?
O modelo emblemático da Escola da Ponte, de Portugal, virou referência ao virar do avesso o formato de sala de aula com um professor à frente de alunos enfileirados em carteiras simetricamente organizadas, em que todos aprendem a mesma coisa o tempo todo e que depois recebem o mesmo teste.
No novo modelo, já adotado por algumas escolas brasileiras, há a compreensão de que nem todos aprendem no mesmo ritmo. Por isso, os alunos escolhem o tema que querem trabalhar de uma lista de conteúdos e comunicam a seu tutor/sua tutora assim que estiverem prontos para serem avaliados. Se a avaliação concluir que os objetivos de aprendizado foram alcançados, é hora de seguir para o próximo tópico. As formas de avaliação nesses casos dependem grandemente da disciplina, e do que tenha sido combinado entre os docentes e entre professores e alunos. Então, independente da forma escolhida, uma característica da avaliação formativa é levar em conta também as necessidades e particularidades de cada estudante.
Muito importante também é a autoavaliação. No exemplo acima, o próprio aprendente sabe que já pode se submeter a uma avaliação com seus tutores. Isso em si já é resultado de terem uma ideia do que podem produzir e seu desejo de continuar avançando. Quem trabalha em sistema convencional pode adotar outras formas de autoavaliação. Por exemplo, um questionário padrão adaptado para cada tópico ou disciplina; um jogo digital como Kahoot ou algo similar; uma entrevista em que cada estudante conte como se vê naquele momento em seu processo de aprendizado. A métrica também é algo que deve ser pré-estabelecida, como as regras de um jogo. E respeitada! Afinal, é desonesto mudar as regras no meio do jogo.
É fundamental que se escreva um modelo de feedback do conhecimento de todos os envolvidos, que seja claro. Cada docente deve ter total consciência sobre o que está avaliando, assim como cada aprendente tem de saber que parte do seu desempenho está sendo medida, em que se saiu bem e em que precisa melhorar.
Por exemplo, em língua estrangeira tenho uma avaliação de oralidade. Vou separar essa avaliação em: compreensão do enunciado/das perguntas, fluência, pronúncia, clareza, escolha de palavras, emprego das regras gramaticais. Cada um desses itens pode ser analisado separadamente ou em alguns casos em conjunto. De forma geral, o que espero de um estudante do primeiro semestre A1 é diferente daquele de níveis avançados, mas é preciso definir as prioridades de cada curso. No exemplo em questão, fazer-se entender, comunicar-se é o objetivo principal. Isso então tem um peso maior naquela fase. É igualmente importante explicar por que alguém tem um retorno mais positivo em um item do que em outro. Pense naquele estudante que compreende bem o enunciado (então tem um nível de compreensão oral bom), mas produz um discurso truncado por erros de pronúncia e/ou escolhe mal as palavras. Se meu objetivo principal é a comunicação, o objetivo não foi alcançado. Mas uma parte do desempenho foi positiva.
Digamos que em matemática a avaliação seja resolver uma complicada equação matemática na presença da professora e fazer um mapinha mental de como se chegou ao resultado, ou responder a um teste de múltipla escolha e depois discutir como obteve até aquelas respostas. Às vezes, ainda que a escolha para a resolução do problema seja correta, a tutoria pode orientar uma alternativa mais rápida e igualmente correta. O retorno avaliativo, então, será em si uma lição.
Mapinha mental
É sempre bom ter um texto padrão como referência ou um mapinha ‘de você está aqui e você quer chegar aqui’, por exemplo. Aliás, a ideia de uma trilha com marcos em várias partes do trajeto é uma ideia relativamente fácil de fazer e divertida. A mensagem visual é eficaz. Mas o diálogo constante, recadinhos com dicas e/ou incentivo tornam a avaliação uma construção de professor-aluno, afetiva e efetiva, na qual as as duas partes se sentem recompensadas por cada pequeno avanço e conquista.
Para a escola convencional, essas abordagens são mais complicadas pois ninguém teria tempo de dedicar-se a estudantes como indivíduos, infelizmente. Uma saída normalmente é que as atividades de sala de aula sejam em si mesmas um termômetro, indicando se os estudantes estão compreendendo o tema ou não. Assim os professores podem adaptar abordagens ou mudar completamente o plano, se for o caso.

Algumas ideias?
Uma ideia é trabalhar com aprendizado por rotação em estações. A sala de aula se divide em quatro ou cinco estações. Cada estação é representada por quatro carteiras agrupadas e ali haverá material para determinado tema. É preciso passar por cada estação e só se encaminhar à seguinte quando tiver aprendido o tema da anterior. Há várias formas de se organizar essa dinâmica. Uma delas é designar alguns alunos para serem responsáveis por uma estação. Exemplo:
Grupo A: Carla, Luana, Pedro e Thiago estudaram sobre simbiose.
Grupo B: Helena, Mariana, Igor e Luana estudaram sobre parasitismo.
Cada grupo define o material que vai usar para explicar o tema e pode levar um vídeo, um diorama, uma maquete, memes, infográficos, livros… Enfim, seleciona o necessário e pode também optar por um pequeno teste para que os colegas façam antes de deixarem suas estações.
A cada estação visitada e “apreendida” a/o estudante recebe algo simbólico: um marca-livros, um adesivo, um Bis, ou qualquer outro ‘prêmio’. Cada grupo define o seu. Quando todos tiverem passado por todas as estações, é hora de fazer a reflexão coletiva, em grupos diversos, analisando o que funcionou, o que deve ser aprimorado e uma lista do que gostaram ou não na atividade.
Há várias interações do aprendizado ativo que já trazem embutidas um aspecto avaliativo. Uma rotina pode incluir a descrita acima, mas há várias abordagens: aprendizado baseado em problemas ou em projetos, jogos (a chamada gameficação), aprendizado em pares ou em equipes, sala de aula invertida, 1-2-4-todos, das Estruturas Libertadoras… Ao selecionar o que melhor se aplica ao contexto da sua escola, do seu grupo e da sua disciplina tenha em mente o que mais importa para uma avaliação formativa bem-sucedida:
- Objetivos de aprendizado claros e bem definidos;
- Descrição dos critérios que serão usados para cada avaliação (que parte do desempenho está sendo avaliado?);
- Métricas (preferencialmente definidas conjuntamente): mesmo que sejam numéricas precisam vir acompanhadas de uma explicação;
- Monitoramento constante;
- Avaliações de mão dupla (de quem aprende e de quem ensina);
- Documentação do processo para posterior análise.
- Reflexão em grupo e em individual para entender o que pode ser melhorado no processo de aprendizado. Aqui um pouco sobre o uso de vídeo.
A listinha pode ser discutida e melhorada. É apenas um ponto um ponto de partida.
Resumindo, a avaliação formativa pressupõe protagonismo dos estudantes, parceria entre professores e alunos, comunicação efetiva e contínua entre a equipe de tutores e estudantes e entre a própria equipe docente para que não haja critérios discrepantes entre suas avaliações.
Só um processo justo e com a participação de quem é avaliado pode despertar interesse e engajamento. É uma ferramenta muito útil para rever métodos de ensino e estratégias de comunicação que atendam às reais necessidades dos estudantes, com a vantagem de que é possível ajustar a rota antes que seja tarde demais.
Se você já implantou um processo de avaliação formativa, conte pra gente sobre seus desafios e conquistas.
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